Simulando a Via Láctea: Cientistas Criam Modelo Mais Detalhado da Nossa Galáxia com Inteligência Artificial

17/11/2025
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Pela primeira vez, cientistas conseguiram simular a Via Láctea praticamente estrela por estrela, acompanhando a evolução de mais de 100 bilhões de astros ao longo de dez mil anos. O resultado é o modelo mais detalhado já criado da nossa galáxia. A conquista só foi possível ao combinar inteligência artificial (IA) com simulações numéricas tradicionais, alcançando não apenas 100 vezes mais estrelas do que os modelos anteriores, mas também um desempenho mais de 100 vezes mais rápido.

A pesquisa foi liderada por Keiya Hirashima, do Centro RIKEN de Ciências Teóricas e Matemáticas Interdisciplinares (iTHEMS), no Japão, em parceria com cientistas da Universidade de Tóquio e da Universidade de Barcelona, na Espanha. O trabalho foi apresentado na conferência internacional de supercomputação SC ‘25. Além do impacto direto na astrofísica, a técnica desenvolvida tem potencial para ser aplicada em outras áreas, como simulações de mudanças climáticas e previsão de padrões meteorológicos.

Segundo Hirashima, a combinação de IA com computação de alto desempenho representa uma mudança profunda na forma como as ciências computacionais lidam com problemas complexos envolvendo múltiplas escalas e diferentes processos físicos. Ele destaca ainda que esse tipo de simulação acelerada por IA não se limita mais ao reconhecimento de padrões, mas se consolida como uma ferramenta real de descoberta científica – capaz, por exemplo, de ajudar a rastrear como surgiram, na própria Via Láctea, os elementos químicos que deram origem à vida.

Imagens da distribuição de gás após explosões de supernova foram produzidas com um modelo substituto baseado em aprendizado profundo, evidenciando a capacidade da técnica de reproduzir detalhes finos da física envolvida.

### Um objetivo antigo – e difícil

Simular a Via Láctea em detalhes é um dos grandes objetivos da astrofísica moderna. Esses modelos são essenciais para testar hipóteses sobre a formação de galáxias, sua estrutura e a evolução das estrelas, confrontando teoria e observação. O problema é que esse tipo de simulação exige lidar com uma combinação complexa de fatores: gravidade, dinâmica de fluidos, explosões de supernovas e síntese de elementos químicos – todos operando em escalas de tempo e espaço muito diferentes.

Até agora, as simulações de ponta conseguiam chegar a um limite de massa equivalente a cerca de um bilhão de sóis, enquanto a Via Láctea abriga mais de 100 bilhões de estrelas. Na prática, isso significa que a menor “partícula” representada no modelo era um aglomerado estelar com massa comparável a 100 sóis. Assim, apenas fenômenos em grande escala podiam ser descritos com boa precisão, deixando de fora o nível de detalhe de estrelas individuais.

O grande obstáculo sempre foi justamente esse: representar a Via Láctea até o nível de cada estrela. Com base nas abordagens tradicionais, seriam necessárias cerca de 315 horas de computação para simular apenas um milhão de anos de evolução galáctica. Mantido esse ritmo, simular um bilhão de anos exigiria mais de 36 anos de processamento contínuo.

### IA como atalho científico

Para superar essa barreira, a equipe criou uma estratégia híbrida que combina um modelo substituto de aprendizado profundo com simulações físicas convencionais. Esse modelo de IA foi treinado a partir de simulações de alta resolução de explosões de supernova, aprendendo a prever como o gás ao redor se expande ao longo de 100 mil anos após a explosão – sem depender de cálculos adicionais mais pesados.

Esse “atalho” fornecido pela IA torna possível simular, ao mesmo tempo, a dinâmica geral da galáxia e processos em pequena escala, como as próprias supernovas. Para avaliar a qualidade dos resultados, os pesquisadores compararam as previsões do novo modelo com simulações de larga escala realizadas no supercomputador Fugaku, do RIKEN, e no Sistema de Supercomputadores Miyabi, da Universidade de Tóquio.

A nova abordagem permitiu não apenas resolver estrelas individuais em uma galáxia com mais de 100 bilhões de astros, como também reduziu drasticamente o tempo de simulação. Agora, um milhão de anos de evolução galáctica pode ser simulado em aproximadamente três horas. Isso implica que um bilhão de anos de história da Via Láctea poderia ser modelado em cerca de 115 dias – em vez de 36 anos.

Além de revolucionar a forma como se simulam galáxias, o método abre caminho para avançar em outros tipos de simulações multiescala, como em meteorologia, oceanografia e estudos climáticos, em que é crucial conectar fenômenos de pequena escala a processos globais em um mesmo modelo computacional.

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